sábado, 2 de outubro de 2010


Saber ler na vida – folhear honestamente a vida
Apaixonadamente a vida,
Nas arcas da noite, nas arenas do dia:
Risos, lágrimas, serenos rostos aparentes
Como se abríssemos cada dia a verde lima do espanto.
Não passar folhas em branco sem as entender,
Olhar rostos como quem tacteia rugas
Descobrindo planetas de mágoas ou rios de alegrias.
A primeira página é o segredo puro
Dos acabados de gritar o primeiro grito,
Iluminada inocência do futuro.
E tudo isto
Entre vermes, frutos, flores, rinocerontes, pássaros,
Cães fiéis,
Águas e pedras
E o fraterno fogo que acendemos a cada hora,
Na maravilha que é estendermos a nossa mão
Para outra mão apertar simplesmente.
Mão pela qual corre o sangue como um rio de fogo,
Fraterno fogo, suave fogo.
Só temos tantos anos para ler este livro
Debaixo do Sol,
Para este fogo buscar
Chamarás ciência, cultura, vida,
Esperança, dor a tudo isto.
Até nada.
Mas lê.

Matilde Rosa Araújo in Alguém no Meio de Nós (1969)

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